segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Digitando: BILLY


Eu não tinha exatamente um nome, nem mesmo exatamente uma idade. Eu apenas me chamava e me sentia mais velho. O mistério me tornava mais interessante, “ironicamente sexy”, ela dizia. Comportava-me assim. Apresentava-me assim. O que eu fazia ou deixava de fazer, neste caso, também não chega a ter importância. Quando a gente sofre, algumas classificações acabam perdendo o pouco sentido que lhes restam...
Vale apenas saber que eu quebrei a cara, quebrei as pernas, os ossos dos mindinhos, o cigarro no bolso de trás da calça, aquele vinho guardado há anos... Quebrei-me por inteiro e voluntariamente. Em estado de graça e de graça. Seja maldita esta bendita ressaca!
Mas vamos ao que interessa... vou deixar de enrolação e dizer-lhes logo o que aconteceu, porque hoje em dia: o tempo é curto, as pessoas têm pouco dele ou não o têm. Nem um grãozinho de areia.
Como eu ia dizendo... o tempo. Tenho pouquíssimo tempo, mas isso não é o problema, o problema é chegar em casa e ligar o computador depois de um dia longo. Apertar aquele botãozinho prateado do meu desktop. É neste simples ato que o tempo se vai, vai se esgotando, se perdendo, descendo pelo ralo enquanto eu tomo banho ao som Billy Holliday. E a música vai tocando e o cd acaba e eu já estou em frente à máquina digitando e digitando e digitando loucamente, sem ver as horas passarem, sem perceber que o barulho de carro lá fora, na rua, diminuiu. Sem notar que é madrugada e o meu tempo de sono também diminuiu.
Por quê? Por que eu liguei o computador?Por que eu coloquei Billy Holliday para tocar? Por que eu perdi o meu sono em frente a esta máquina luminosa e cheia de ilusões?
Para esperá-la passar...
Para esperar a minha Billy entrar no skype, no MSN, no facebook ou no Orkut. Em qualquer lugar que virtualmente eu a pudesse encontrar.
Mas ela parece fazer de propósito. Parece se esconder de mim, se esquivar daquilo que somos, daquilo que durante tantas madrugas confessamos...
E sem mais delongas, foi por Billy que fingi ser um cara mais maduro, um cara mais esperto, mais charmoso e sexy,ironicamente falando, pois neste mundo não há charme algum. Só dígitos, só teclinhas mentirosas, só vozes digitalizadas e o vazio existente entre a máquina quente e o meu coração paciente.
A paciência, às vezes, tem sua recompensa...
Certo dia, Billy e eu nos encontramos. Meu coração parou de bater nesse instante. Ela realmente existia. Ela tinha dimensões, dimensões que eu nunca tinha visto em mulher alguma...
Foi o acaso. Não, não. Foi o Destino! Sim, Neil Gaiman tinha razão quando o imaginou cego. Só sendo cego para não ver que nos colocar dentro do mesmo hotel não seria bom. Bom seria. Mas ainda sim, não seria bom. O Destino nos levou até aquele hotel... o Destino, naquele dia, nos traiu.
Meses antes daquele encontro, quando nos conhecemos, quando realmente construímos um laço entre nós, nos prometemos deque nunca nos encontraríamos. Que acontecesse o que acontecesse, seriamos sempre uma tela de computador e algumas palavras. Nothing more.
E naquele maldito dia, numa cidade grande pelo meio do mundo, o nosso voo foi cancelado. Disseram que foi devido a uma forte neblina em torno do aeroporto. Realmente, até para carro andar estava difícil. Por coincidência, ou pelo Destino, as companhias aéreas nos colocaram no mesmo exato lugar.
Billy era fantástica! Como eu ia dizendo,quando a vi, meu coração parou por uns instantes. Acho que o mesmo lhe aconteceu, pois percebi que ela precisou puxar o ar para dentro dos pulmões com força para só depois sorrir... Sorriu. Largou as malas no meio do hall do hotel. Correu em minha direção. Deu-me um abraço forte. Tirou-me o ar. Ficara na pontinha dos pés. A envolvi com meus braços. Muitos minutos se passaram e tempo algum percebemos.
Dividimos o mesmo quarto. Dividimos o mesmo som. Dividimos a mesma meia luz... a meia sombra. A nossa cama também ficou pela metade. Nossas juras foram eternas.
O dia amanheceu. A verdade nos acordou e nos afastou. E algo entre nós dois ficou para sempre naquele quarto. Não nos acompanhou, nem mesmo permitiu que voltássemos ao que éramos.
Ficamos perdidos naquele jardim labiríntico do Destino. Não houve luz ou lanterna, naquela madrugada, que nos acendesse a razão, que nos separasse, que nos impedisse de tocar-nos.
Esse é o meu problema. Aquela noite foi o meu problema.
Billy sumiu.
Alguma coisa dita entre nós dois não ficou clara. Talvez ela não tenha acreditado nas minhas juras. Talvez ela tenha se assustado com as minhas juras. Talvez eu não tenha jurado o suficiente.
E agora eu me encontro aqui, toda madrugada, googleleando em busca de Billy, daquela menina de pele macia, de cheiro doce e suave...



(Por mim a pedidos de Liliane Ballesté e a contra pedidos de Samantha)

3 comentários:

Lyla, a louca disse...

Quem é Billy, meu deus?

gabriela disse...

Billy deve ser um stranger do omegle. isso já me aconteceu com um tal de Jack Osborn, um escritor de Toronto. apartei esc sem querer e lá se ia uma conversa imensamente legal. uma pena...

estou de volta, eu acho...

Marília Domingues disse...

♪The answer, my friend, is blowing in the wind♪

Adooorei! Com poesias, com contos, vc é boa em tudo que escreve. Espero que lance um livro.