quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Regência

Numa quarta-feira ensolarada de novembro, Mônica estava bem concentrada (só que não) estudando Regência verbal, conteúdo super interessante e instigante da gramática. Por que é que quando o objeto é coisa o pronome usado é –o/-a? e quando o pronome é pessoa, é –lhe? Não tem isso no livro. Olha em um, olha em outro. Nada. Sua amiga, por um aplicativo de chat do celular, prontamente responde que é tudo culpa do regente, o verbo. Outra salvadora da pátria acrescenta: Eu o vi = eu vi ele. Eu lhe entreguei = eu entreguei A ele. Eu lhe disse = eu disse a ele.
São muitas aventuras num só livro!
DIM DOM!
Soa a campainha externa bem em cima de sua cabeça. Sossego interrompido.
Sossego interrompido chega a ser equivalente a bolo solado. Pura frustração.
No entanto, curiosa, nossa exímia estudante vai atender a porta. Pode ser a agente de saúde, aquela que a Flora comeu o chinelo. Que vergonha! Lembra. Pela hora, deve ser ela mesmo, nunca mais apareceu, nunca mais lhe fez uma visita.
Por cima do muro dava pra ver apenas um guarda sol azul. Definitivamente era a agente de saúde!
- Quem é?, um breve minuto de silêncio interrompido apenas pelas reclamações cotidianas da vizinha.
- É G-l.
E a voz rouca dos gritos da vizinha quase não a deixam entender o visitante.
- Quem?!
- Gil.
Soou a voz masculina amigável desconhecida do outro lado do portão. Não é a agente de saúde. Gil? Gil? Gil? Gil de onde? Que Gil?
- Pois não, Gil? pergunta Mônica impaciente por ter tido seus estudos interrompidos por algum desconhecido que não era sua agente de saúde.
- É que eu tenho uma mensagem da bí...
E Mônica para de ouvir o restante do que Gil, o guarda sol azul desconhecido, tem a dizer e está dizendo. Sua impaciência com os desocupados mensageiros a impede de escutar o que quer que seja. No entanto, todavia, ela o deixa terminar de falar. As pessoas, de um modo geral, têm necessidade de falar. Cura suas frustrações, segundo estudos.
- Olhe, Gil, obrigada pela mensagem. Pode deixar na caixa de correio. – o guarda sol fica se mexendo, de um lado pro outro – Eu tô ocupada, estudando. Deixe aí e tenha um bom dia...
Mesmo diante de toda a sua irritação, de toda a sua vontade de gritar todos os impropérios, que a utilíssima gramática normativa da Língua Portuguesa não ensina, ela respira, e as palavras grandes se entalam em seus pelos e cabelos eriçados. Tenta esconder sua irritação e frustração, mas na voz deixa escapar alguma rispidez. Guardar tudo pode fazer mal, câncer, por exemplos, segundo estudos. Melhor soltar um pouquinho da pressão.
A voz masculina desconhecida do outro lado também parece frustrada. Frustração generalizada. Agradece e segue, desassossegar outras portas. Deve ser o emprego de alguns, o desassossego alheio.
De volta aos seus estudos: Aspirar, Agradecer, Assistir... Larga de mão por uns minutos. Metade da manhã. Escrever é muito mais divertido. E fica latente e pulsando em seu paralelo uma ideia modesta de crônicas, situações periféricas.

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