Numa quarta-feira ensolarada de
novembro, Mônica estava bem concentrada (só que não) estudando Regência verbal,
conteúdo super interessante e instigante da gramática. Por que é que quando o
objeto é coisa o pronome usado é –o/-a? e quando o pronome é pessoa, é –lhe?
Não tem isso no livro. Olha em um, olha em outro. Nada. Sua amiga, por um
aplicativo de chat do celular, prontamente responde que é tudo culpa do
regente, o verbo. Outra salvadora da pátria acrescenta: Eu o vi = eu vi ele. Eu
lhe entreguei = eu entreguei A ele. Eu lhe disse = eu disse a ele.
São muitas aventuras num só
livro!
DIM DOM!
Soa a campainha externa bem em
cima de sua cabeça. Sossego interrompido.
Sossego interrompido chega a ser
equivalente a bolo solado. Pura frustração.
No entanto, curiosa, nossa exímia
estudante vai atender a porta. Pode ser a agente de saúde, aquela que a Flora
comeu o chinelo. Que vergonha! Lembra. Pela hora, deve ser ela mesmo, nunca
mais apareceu, nunca mais lhe fez uma visita.
Por cima do muro dava pra ver
apenas um guarda sol azul. Definitivamente era a agente de saúde!
- Quem é?, um breve minuto de
silêncio interrompido apenas pelas reclamações cotidianas da vizinha.
- É G-l.
E a voz rouca dos gritos da
vizinha quase não a deixam entender o visitante.
- Quem?!
- Gil.
Soou a voz masculina amigável
desconhecida do outro lado do portão. Não é a agente de saúde. Gil? Gil? Gil?
Gil de onde? Que Gil?
- Pois não, Gil? pergunta Mônica
impaciente por ter tido seus estudos interrompidos por algum desconhecido que
não era sua agente de saúde.
- É que eu tenho uma mensagem da
bí...
E Mônica para de ouvir o restante
do que Gil, o guarda sol azul desconhecido, tem a dizer e está dizendo. Sua
impaciência com os desocupados mensageiros a impede de escutar o que quer que
seja. No entanto, todavia, ela o deixa terminar de falar. As pessoas, de um
modo geral, têm necessidade de falar. Cura suas frustrações, segundo estudos.
- Olhe, Gil, obrigada pela
mensagem. Pode deixar na caixa de correio. – o guarda sol fica se mexendo, de
um lado pro outro – Eu tô ocupada, estudando. Deixe aí e tenha um bom dia...
Mesmo diante de toda a sua
irritação, de toda a sua vontade de gritar todos os impropérios, que a
utilíssima gramática normativa da Língua Portuguesa não ensina, ela respira, e
as palavras grandes se entalam em seus pelos e cabelos eriçados. Tenta
esconder sua irritação e frustração, mas na voz deixa escapar alguma rispidez. Guardar tudo pode fazer mal,
câncer, por exemplos, segundo estudos. Melhor soltar um pouquinho da pressão.
A voz masculina desconhecida do
outro lado também parece frustrada. Frustração generalizada. Agradece e segue,
desassossegar outras portas. Deve ser o emprego de alguns, o desassossego
alheio.
De volta aos seus estudos:
Aspirar, Agradecer, Assistir... Larga de mão por uns minutos. Metade da manhã.
Escrever é muito mais divertido. E fica latente e pulsando em seu paralelo uma
ideia modesta de crônicas, situações periféricas.